quarta-feira, 14 de abril de 2010

Comentário sobre a noção de cibercultura e três exemplos significativos, segundo Lévy

A cibercultura, como nova "forma cultural" (pg. 15), dotada de características programáticas (in) definidas, constitui-se motivada por factores tecnológicos e sociológicos específicos ganhando consistência no prolongamento das formas culturais anteriores (respectivamente a oralidade e a escrita).

Tal como acontecera com as formas culturais que a precederam, a cibercultura nutriu-se principalmente de coordenadas históricas e sociais que, de um modo ou de outro, lhe deram a essência de ser «universal sem totalidade». (pg. 111) Lévy defende que "o universal" é "a presença virtual da humanidade para si mesma." (pg. 247) Quanto à totalidade, "trata-se (…) da unidade estabilizada do sentido de uma diversidade". (pg. 247)

Para Lévy, a  cibercultura é um "conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”. (pg.17)

Desencadeando profundas transformações socioeconómicas, a cibercultura está indissociavelmente ligada ao conceito de ciberespaço, também designado por Lévy de rede, "o ciberespaço (…) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores." (pg. 17)

Assim sendo, como Lévy indica, não poderão ser ignorados, como elementos motores de uma cibercultura empenhada, factores como a evolução tecnológica, o universo oceânico informacional que daí advém, assim como os seres humanos que sustentam esse universo. (pg. 17)

O ciberespaço é uma espécie de sistema operativo de código aberto que assenta sobre a sociedade e o mundo físico. Sendo de código aberto, cada um pode ir desenvolvendo e aperfeiçoando o ciberespaço à medida das suas necessidades. Pelo menos é o que fazem os grandes grupos económicos; o que não significa que seja mau para os biliões de homens que partilham este espaço.

Para Lévy, o ciberespaço desenvolveu-se inicialmente de acordo com três princípios a saber: "a interconexão, a criação de comunidades virtuais e a inteligência colectiva". (pg. 127)


A cibercultura evolui sobre este sistema operativo, alimentando-se da programação que cada um vai desenvolvendo e como qualquer cultura vai distorcendo o nosso conceito de realidade. Quando olhamos para o que nos rodeia, apercebemo-nos dos seus contornos através dos filtros que temos na nossa consciência, tal como a história do "Bezerro de Ouro" (pg. 45), a nossa tela está programada para ver o mundo de todos os ângulos. No entanto, as pessoas conectadas não são amorfas construindo e partilhando a inteligência colectiva sem submeterem-se a qualquer tipo de restrição político-ideológica. O nosso mundo real/virtual é influenciado pelas constantes trocas de informação que vamos efectuando com a cultura. Haverá realmente uma diferença entre o mundo real e o virtual?

Se interpretarmos a realidade através da nossa cultura, então o que é verdade hoje pode não o ser amanhã. A sociedade em rede em que vivemos permite trocas culturais quase instantâneas. Lévy afirma que, à medida que se vão juntando indivíduos ao ciberespaço, mais este se torna "menos totalizável" ,pois cada indivíduo pode dar início a uma nova ideia que poderá dar origem a um conjunto de seguidores (pg.111)

Com o passar dos séculos, cada vez que a cultura se emancipou dos poderes e permitiu virtualizar sociedades diferentes, os Imperadores (ditadores de leis) mandaram destruir tudo o que colocasse em causa a ordem estabelecida. Por sorte, a Internet foi criada para resistir a uma guerra nuclear e por isso a informação que ela contém não será facilmente destruída. Vários governos têm tentado controlar a informação que circula na rede e ameaçam restringir o acesso à Internet aos prevaricadores. Entretanto, novas formas de comunicação estão a ser criadas e já existem comunidades independentes dos fornecedores de serviços de Internet, que mantêm contudo conexão à internet, a partir dos nós onde ela estiver disponível. 

Tudo indica que a Internet permanecerá livre e por isso a cibercultura permanecerá como uma etapa no nosso desenvolvimento.


Exemplo 1

Para Lévy, a simulação ocupa o lugar central dos modelos de conhecimento trazidos para a cibercultura e permite aumentar a inteligência colectiva na medida em que amplifica o cálculo, a memória e o raciocínio (pg. 165)

Os Super-computadores são utilizados por empresas com grandes capacidades financeiras para fazer simulações, num processo exaustivo são variados pequenos parâmetros na procura de uma configuração que se ajuste à resolução de problemas de investigação cientifica.

Pequenas empresas e grupos de investigadores com poucos recursos financeiros não conseguem alugar tempo de processamento nestes super-computadores e sem capacidade de efectuar simulações as suas investigações ficam paradas.

É do conhecimento geral, em virtude dos média e dos boatos, que alguns hacker tornam escravos milhares de computadores individuais com o objectivo de crackarem encriptações. Talvez já não seja do conhecimento de todos que existem projectos de computação voluntária que criam Super-computadores Virtuais um deles é a iniciativa IBERCIVIS em que o cidadão doa tempo de inactividade do seu computador fornecendo à comunidade científica uma poderosa ferramenta de cálculo. Todos podemos aderir a esta comunidade Ibérica que se encontra ao serviço de investigações como:

Exemplo 2

Such Tweet Sorrow O grupo teatral Royal Shakespeare Company iniciou no dia 12 de Abril de 2010 um teatro interactivo baseado no texto dramático Romeu e Julieta em que os actores encarnam durante alguns dias as personagens da obra clássica, adaptando a linguagem aos dias de hoje, as suas falas vão sendo transmitidas à comunidade através de mensagens no Twitter. Os espectadores espalhados por todo o mudo podem seguir cada uma das seis personagens através do Twitter e interagir com elas.

Para Lévy, teremos acesso através do ciberespaço a um meta mundo virtual onde poderemos experimentar "a beleza que repousa na memória das antigas culturas, assim como aquela que nascerá nas formas próprias da cibercultura" (pg. 146)


Exemplo 3

Desde há alguns anos que se iniciou a colocação de microcomputadores nos diversos aparelhos que utilizamos durante o dia, no início apenas foram contemplados equipamentos exclusivos. O objectivo quer dos fabricantes, quer dos clientes é que todos os equipamentos para além de "inteligentes" possam comunicar entre si. Infelizmente o número de endereços IP disponíveis não era suficiente para tantos equipamentos. Já foi feita uma nova codificação de IPv4 para IPv6, um dos resultados desta migração, que ainda está em curso, foi o aumentar do número de endereços da Internet e assim permitir que todos os aparelhos construídos possam se conectar à Internet.

No vídeo abaixo, podemos ter uma noção como as nossas cidades estão a mudar e como a cibercultura está a influenciar os objectos com que nos vamos passar a relacionar todos os dias.

Video featuring, from IBM: Mike Wing, Andy Stanford-Clark and John Tolva.


A internet das coisas fará nascer novos conceitos de cidade em que se perspectiva o controlo em tempo real do equipamentos colectivos, tornando as cidades cada vez mais atraentes. Para Lévy, uma das formas de relacionar o ciberespaço e a cidade é a assimilação pela infra-estrutura da cidade de redes de comunicação interactiva que incluam as vias de comunicação, os transporte colectivos e os serviços de água, gás, electricidade, etc.


Referência

Lévy, P. (1999), Cibercultura,1ª edição, Editora 34 Ltda, São Paulo.

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